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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CRÔNICA
QUANDO NÃO SE PODE MAIS PESCAR
Profº Antônio José
Ainda era uma criança como um pássaro quando está ensaiando asas para voar. Um dia, abro a porta de minha casa de taipa fincada sobre um morro de areia escura e rodeada de salsas. Casa coberta ainda de palhas de coqueiro como costumava ser as cobertas de antigamente numa praia de pescadores, mas com belezas naturais e estonteantes. Olha só o que vi! O mar a minha frente. Sim, o mar beijado pelo sol e recheado de pedras e barcos que me convidavam a sair correndo sem pedir licença, sem pedir... Não me contive e atendi aquele convite da mãe natureza, corri, desci o morro como quem disputa uma maratona querendo chegar o mais rápido possível na linha de chegada.

Naquele momento, piso na água fria e sinto a leveza da espuma e o movimento da marola que as ondas me ofereciam num frenesim inesquecível. Estava dentro do mar e como filho de pescador ainda não sabia se iria seguir o mesmo ofício de meu pai, de meus tios, de meus conterrâneos. Não, não sabia, mas sabia que o mar havia me fascinado e queria um barquinho para nele flutuar nas águas frias e salgadas. Não demorou muito para eu conseguir o que queria, pois logo improvisei um pequeno barco com pedaços de tábuas e isopor. Acabara de construir o que ainda hoje chamamos de catraia.
 
Com esse simples barquinho, um navio, um iate para um menino cheio de sonhos que com ele iria se deliciar no oceano tão perto de sua casa, apenas alguns passos, o mundo de criança assumia o seu verdadeiro sentido: a alegria de ser infante.   

O tempo foi passando e aquele menino foi crescendo e logo começou a estudar, pois a sua mãe dizia sempre: “não tenho nada para deixar a vocês a não ser o estudo, o saber” De tanto ouvi isso de minha mãe logo compreendi que não existe riqueza maior que um pai ou uma mãe pode deixar para um filho do que a educação. Mesmo estudando, continuava nas horas livres correndo para o mar e me perdendo sobre aquele barquinho na imensidão do oceano. Pegava o remo e entre as pedras nuas da costa litorânea jogava uma linha de vara e já pescava o peixe de comer. Queria passar o dia fazendo aquilo, mas o horário da escola não deixava, tinha que estudar, era necessário.

E assim fui crescendo, terminei o 1º grau, paralelo ao estudo já trabalha remendando redes de pesca, vendendo como ambulante, mas nunca esquecia ou perdia a vontade de entrar no mar e desfrutar de momentos de alegria e prazer. Até que um dia recebo o convite para ensinar na minha comunidade, faltavam professores e alguém entendeu ser o meu desempenho escolar um fator preponderante para que eu exercesse tal ofício. Confesso que nunca pensei em me tornar professor, não escolhi essa profissão, alguém a escolheu para mim, mas descobri no exercício do magistério a realização de um sonho não sonhado.
 
Formei-me e continuo até hoje ajudando crianças e jovens a tirarem as vendas dos olhos e aprendendo com eles que a vida é um eterno aprendizado. Enquanto tudo isso acontecia, o mar não me saia da mente e do coração a ponto de investir em armadilhas de pesca, em um barco maior, motor e sair muitas vezes nas madrugadas sem horas para voltar. Sim, porque o pescador vai para o mar, mas não sabe o que irá lhe suceder. A certeza é da saída, porém não há certeza quanto à volta. Pescava porque gostava, porque o mar é um fascínio, porque encanta e desencanta mistérios inexplicáveis e indescritíveis.
 
Enquanto me deliciava nas águas profundas do oceano, tentava me proteger ao máximo do sol escaldante, usando protetor solar de fator 50 até porque estava cônscio dos perigos do sol e por ser de uma família suscetível a problemas de pele.  Além do protetor usava camisas enrolando o rosto, blusas de mangas compridas e calças compridas parecendo-me um habitante polar. Mas tudo aquilo não era por causa do frio e, sim, dos raios ultravioletas do sol. Embora tenha tido tamanha precaução, um dia começo a perceber manchas avermelhadas no meu rosto e logo procuro um dermatologista que me diz: “Você está pegando muito sol, tem a pele muito sensível e deve se proteger ao máximo, tenha mais cuidado” Naquela hora falei para mim mesmo: “Sim, doutor, já entendi nas entrelinhas de suas palavras, não devo mais pescar é isso que o senhor está me dizendo, não devo mais pescar”.
 
Desde então não pesquei mais, vendi o meu barco, motor e agora só me resta olhar para o mar e dizer ainda te amo, não te deixarei para sempre, pois és a minha inspiração, meu cartão postal de todas as horas e motivo de alegria em momentos de tristeza e angústia. Hoje mesmo te olhava e dizia: “Quando não se pode mais pescar”...

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